terça-feira, 1 de maio de 2012

A Exposição

     Um dia, o seu lado cultural resolve dar o ar da graça. Assim, você pensa: "Hum...Acho que vou no coquetel de abertura da exposição da Adelaide". Afinal de contas, boca livre é com você mesmo e a Adelaide, apesar daquelas roupas de bicho-grilo, é muito sua amiga.
      Você se apronta. Coloca sua roupinha de domingo, se olha no espelho e percebe que até que fica bem vestida de gente grande!
       Chegando lá, você dá de cara com um grupinho no lado de fora da entrada fumando Gudang. Você que se achava tão bem vestida ao sair de casa, começa a desconfiar que o evento era a fantasia. O desconforto começa a se manifestar e você reza para achar alguma alma conhecida lá dentro. Já na galeria, você cerca o primeiro garçom que passa com uma bandeja de taças de espumante como se fosse a tábua de salvação. Abastecida, resolve apreciar as obras. "Não é que a Adelaide pinta umas coisas bonitinhas?". Pois é justo nesse instante que ele aparece: o EMPOLADO!
        Lamento, infelizmente não posso dar uma descrição física da espécie porque ela varia muito. Mas a característica determinante mesmo é o discurso: por mais que as palavras estejam no seu idioma, você simplesmente não entende o que a criatura fala. Não, o fato de você ter um doutorado não vai te ajudar em nada. E caso sua auto estima seja baixa, corre o risco de você se sentir a mais toupeira das toupeiras."Não são incríveis as notas dantescas paradoxais às influências monetianas?", a figurinha te pergunta. Você não sabe se ele está falando com você ou se foi uma pergunta retórica. Na dúvida, balança a cabeça concordando e vira a taça toda de uma vez. Cadê o garçom?
        Você passa ao quadro seguinte, mais para se afastar do empolado do que para ver a pintura. Esse é até bem coloridinho, mas você fica com a leve impressão de que ele foi pendurado de cabeça para baixo. O garçom passa. Você se reabastece e promete uma gorjeta se ele ficar por perto. "Você veeeeiooo!", é a Adelaide. Ela te abraça e você percebe que ela está com um perfume 100% pachouli. "E aí? o que você está achando?", ela te pergunta. Nessas horas, vá de sorriso automático e respostas genéricas: "Nossa! Estou achando muito interessante!". Cadê o garçom?
         Enquanto escuta as explicações sobre a tela, o garçom se aproxima. Você pega mais uma taça e vocês trocam um olhar de cumplicidade. Você começa a divagar sobre quantas exposições chatas ele deve servir, mas tem o pensamento interrompido. "Essa tela com certeza tem um sub contexto Kafkaniano sublimado pelo uso das primárias". É o empolado de novo. Enquanto ele conversa com a Adelaide, você se lembra de que conhece Kafka: é o cara da barata. Tenta entender o que o empolado disse. Como você já estava um pouco alta, acaba soltando: "Tem uma barata atrás do quadro?"
       Pra que! Uma doninha que estava próxima ouve: "Barata?". Enquanto o boato se espalha a coisa vai escalonando até que um cara de terno florido sobe num puf e grita em pose clássica com as mãos no rosto: "BARATAAAAA". Algumas pessoas saem correndo e gritando, outras ficam dando pisadas a torto e a direito tentando matar o tal inseto. É um pandemônio.
        A exposição fica arruinada. A Adelaide te olha como quem vai te matar. A Amizade já era. Você avista o garçom e pergunta para ele: "Quer uma carona?".
         Ele responde: "Só se for agora".
         Ao saírem você diz: "Acho que este é o começo de uma bela amizade."

          

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